BC reduz taxa para 9%, e juro real é o menor da história
Queda de 0,75 ponto já era esperada, mas autoridade surpreende e indica que ainda pode haver novos cortes
Descontada a inflação prevista, a taxa de juros real está em 3,3%, mas ainda é a segunda maior do mundo
GUSTAVO PATU
MAELI PRADO
DE BRASÍLIA
Ainda sem sinais visíveis de recuperação da economia, o Banco Central decidiu reduzir seus juros para a menor taxa real -descontada a inflação esperada- já medida pelas estatísticas disponíveis, desde o Plano Real.
O comunicado divulgado ontem à noite pelo Comitê de Política Monetária suscitou ainda a leitura de que novas reduções podem acontecer.
Conforme o documento, os juros do BC, que servem de base para aplicações financeiras e empréstimos bancários, cairão de 9,75% para 9% ao ano, em decisão unânime e amplamente esperada.
O dado menos evidente é que o novo patamar significa um recorde histórico para um país notório pela convivência, desde a década retrasada, com os juros mais elevados do mundo.
A Selic, como é chamada a taxa do BC, ainda está acima dos 8,75% fixados em julho de 2009, quando a indústria e os investimentos ainda sofriam os impactos mais drásticos da crise internacional.
No entanto, quando se leva em conta a alta da inflação, a taxa real de hoje, de 3,3%, está abaixo dos 3,9% daquele período.
Em outras palavras, o estímulo monetário aplicado hoje pelo BC para reanimar a atividade econômica já supera o da crise de 2009.
Desde que o fim da superinflação, em 1994, permitiu estatísticas mais confiáveis e comparáveis, a Selic chegou a ultrapassar os 40% no governo FHC, e a taxa real superou os 16% ao ano no início da administração petista.
Apesar do atual ciclo de redução, o Brasil continua com a segunda maior taxa de juros reais do mundo, atrás apenas da Rússia (4,2%), de acordo com ranking da corretora Cruzeiro do Sul.
LIMITES DA QUEDA
As perspectivas de novas reduções dos juros são incertas. Até anteontem, as projeções mais consensuais eram de que o ciclo de queda da Selic seria encerrado ontem.
O comunicado do BC, porém, deixou dúvidas ao considerar "limitados os riscos para a trajetória da inflação" e afirmar que a medida está "dando seguimento ao processo de ajustes das condições monetárias".
"Esperava-se uma parada nos cortes, mas o comunicado trouxe um leve viés de baixa", disse Flávio Serrano, do Banco Espírito Santo.
Em nota, a Rosenberg Consultores afirmou continuar acreditando no fim da trajetória de baixa, mas com a ressalva de que é prudente aguardar a divulgação da ata da reunião do BC.
Para o economista Roberto Troster, "poucas vezes o BC foi tão explícito" ao prever novos cortes. Já Silvia Matos, da Fundação Getulio Vargas, entende que o texto do documento apenas justifica a medida.
Colaborou MARIANA CARNEIRO, de SP
Baixar juros pode ajudar a conter valorização do real, diz economista
CAROLINA MATOS
MARIANA CARNEIRO
DE SÃO PAULO
Baixar a taxa básica de juros é um dos poucos instrumentos que o governo brasileiro tem à mão para tentar conter a valorização do real. A avaliação é do economista americano Paul Krugman, Nobel de economia em 2008.
Em seminário ontem em São Paulo, Krugman afirmou que a valorização da moeda brasileira frente ao dólar ocorre pela atração do Brasil sobre investidores estrangeiros, e que esse movimento deve permanecer no longo prazo. Segundo diz, o "mercado ama demais o Brasil".
"O Brasil se tornou um país mais atrativo considerando o cenário internacional [de crise nos mercados desenvolvidos]. Investidores buscam lugares para aplicar seus recursos", afirmou o economista. "E devem ser investimentos de longo prazo do Norte para o Sul."
Krugman participou de debate com o ex-ministro Delfim Netto, outro defensor da redução dos juros. Mas, para Netto, o Banco Central deve fazer uma pausa após o corte da taxa ocorrido ontem. O objetivo, diz, é monitorar os efeitos dessas medidas na economia.
Análise
Equipe econômica abriu mão de perseguir centro da meta de inflação
CARLOS EDUARDO GONÇALVES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Dessa vez foi mais fácil acertar a decisão do Copom. O Banco Central em sua última ata escreveu com quase todas as letras que a Selic iria para 9% em Abril. Mas reduzir a Selic foi acertado? O que isso significa para inflação? Qual a chance de novas reduções da taxa de juro básica?
Finalmente, qual o sinal a se pode extrair do comportamento do BC no que se refere à sua função objetivo?
A inflação começou 2012 bem fraca, fechando perto de 1,2% no primeiro trimestre. Diferentemente de 2011, não tivemos choques adversos de oferta, o que contribuiu para esse resultado benigno.
Mas não foi apenas "sorte", pois também as medidas de núcleo inflacionário estão em declínio expressivo faz alguns meses e o número de setores apresentando variação positiva de preços murchou.
Quando a queda é assim generalizada, ela muito provavelmente resulta de decisões na esfera das políticas monetária e fiscal.
E a atividade também perdeu ímpeto desde o segundo semestre do ano passado, resultado de um misto de incertezas externas, altas dos juros básicos no primeiro semestre e a bomba recessiva das medidas de contenção do crédito de dezembro de 2010.
Em suma, as quedas na atividade e inflação hoje são filhos da desinflação externa com a política restritiva doméstica de parte de 2011.
Mas não mais...
Juntando a evidência dos dados num modelo estatístico de previsão inflacionária, chego a algo pouco abaixo de 5% para o ano de 2012 fechado. Vamos para mais perto da meta de 4,5%, mas muito provavelmente sem nela chegar. Isso está ok?
Depois de dois anos seguidos de taxa de inflação bem acima da meta, a autoridade monetária e o governo poderiam articular a política macro de modo a permitir que a inflação deslizasse para algo ligeiramente abaixo de 4,5% nesse ano e em 2013, nadando menos contra a corrente.
Caso contrário, como ancorar as expectativas dos agentes privados em 4,5%, se a inflação sempre fica acima? Ou esse não é mais o objetivo?
Não é mais, na minha visão. Estamos agora num sistema de "bandas de inflação": quando ela ameaça chegar a 4,5%, Fazenda e BC agem conjuntamente para aquecer a economia, e na outra ponta, quando ela ameaça o teto de 6,5%, as luzes amarelas acendem e o governo pisa no freio.
Meu palpite é que com Selic a 9%, a inflação ano que vem ficará perto de 5,5% (o próprio BC projeta isso!). Não creio que inflação nessa redondeza gere sentido de urgência no governo.
Se eu estiver errado, a primeira linha de defesa é reeditar medidas macroprudenciais, e apenas se isso não for suficiente a Selic volta a subir.
CARLOS EDUARDO GONÇALVES é professor de economia da FEA-USP
Fonte: Folha de S.Paulo
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